Yopo – Anadenanthera peregrina, uma Breve História de Uso
A espécie Anadenanthera peregrina (yopo) é uma árvore de grande porte nativa das regiões amazônicas a América do Sul, sendo encontrada em uma área extensa que abrange vários países. Talvez por essa grande extensão de habitat, a espécie pode ser considerada uma das principais plantas enteógenas com histórico de uso por populações sul-americanas. Devido a ser conhecida e utilizada por muitas tribos diferentes, diversos nomes populares são conferidos à espécie como Cohoba, Hataj, Kahobba, Niopo, Paricá, Yopo, Villca. A árvore pertence à família das leguminosas, o que fica evidente na aparência dos frutos da planta, que se assemelham às vagens do feijão, por exemplo.
Relação entre seres vivos e o Yopo
Uma estreita relação de cooperação entre dois seres vivos pode ser observada entre essa planta e algumas espécies de formigas. Glândulas nas bases das folhas produzem néctar doce que atrai as formigas. Aparentemente essa resina não possui qualquer outra função para a planta, sendo apenas um mecanismo de defesa, uma vez que as formigas que consomem o néctar atuam como soldados defensores na árvore, espantando outros insetos herbívoros devoradores de folhas. Essas relações ecológicas muitas vezes passam despercebidas aos mais desatentos às maravilhas da natureza.
Mas as plantas também estreitam relações com seres humanos. Foi através delas que nossos ancestrais descobriram as plantas como alimento, abrigo, ferramentas e também as utilizaram com finalidades espirituais. A partir das sementes de Anadenathera perregrina é extraído um dos diversos tipos de rapé, o yopo, o qual é historicamente preparado e utilizado por tribos amazônicas que vivem na na bacia do Orinoco. Os primeiros relatos de uso de yopo são de exploradores espanhóis da expedição de Colombo, que aportaram na região onde hoje estão República Dominicana e Haiti, região que foi chamada por eles de Hispaniola. Fazendo um parênteses aqui, a população de “Hispaniola” contava com mais de 8 milhões de indígenas em 1492, ano da chegada de Colombo por lá. Quatro anos mais tarde, por volta de 1496, o declínio populacional de índios estava por volta de 5 milhões. As tribos que utilizavam yopo nessa região eram os Taino, os quais denominavam as sementes como cohoba. Muito provavelmente o uso de cohoba foi banido pelos espanhóis assim como grande parte das tradições de uso de plantas (enteógenas e medicinais) daquelas tribos.
Para os incas, as sementes de A. peregrina eram chamadas vilca. Consta num documento histórico peruano, datado do ano de 1571, que curandeiros incas eram capazes de predizer o futuro, comunicando-se com seres divinos, através do uso de vilca. Os xamãs da tribo Wichi, na Argentina, usavam um pó inalável que eles chamavam Hataj, o qual era feito a partir da A. peregrina, sendo que os efeitos da planta lhes permitia penetrar em outras realidades. Os primeiros espanhóis colonizadores escreveram relatos dos índios Comechin fazendo uso de Sebil (outra denominação para a mesma planta) através da inalação, os quais “buscavam embriagar-se e realizavam danças e rituais noturnos em noites lunares”, segundo as observações dos colonizadores. Como bem colocado por Hofmann (1992), o nosso conhecimento atual sobre o uso dessa planta é muito limitado, uma vez que essas tantas tribos, que viviam por uma área que encobre vários países da América do Sul, foram dizimadas.
A espécie Anadenanthera peregrina tem muitas formas diferentes de uso, que variam entre tribos, o que também fica evidente na variedade de nomenclaturas para a mesma planta (yopo, vilva, sebil, etc.). No livro “Plants of the Gods” (Plantas dos Deuses), Hofmann e Schultes relatam grande parte das preparações de A. peregrina como torrefação das sementes, as quais são depois trituradas. É interessante notar que as tribos amazônicas que ainda preparam yopo tradicionalmente trituram as sementes em lajes de pedras ou madeira especialmente ornamentadas para tal. Algumas tribos misturam o pó resultante da trituração com substâncias alcalinas, como cal de conchas ou cinzas de material vegetal. Tradicionalmente, as cinzas devem provir de outras plantas da floresta crescendo próximas à arvore do yopo, assim, acredita-se que os espíritos da floresta reunam-se em um mesmo preparado e os efeitos tornam-se mais potentes.
Alexander von Humboldt, um pesquisador alemão que descreveu milhares de espécies de plantas da flora brasileira, relatou o uso de A. peregrina por tribos da região do Orinoco há 175 anos. Equivocadamente, Humboldt afirmou que “… não é para ser acreditado que as vagens de acácia niopo são a principal causa dos efeitos estimulantes do rapé… os efeitos são devidos a cal confinada à mistura da planta”. Naquela época não se sabia sobre a presença dos compostos ativos em plantas, sendo que em A. peregrina são encontradas triptaminas, incluindo N- dimetiltriptamina, 5-methoxydimetiltriptamina, ou seja, DMT.
Talvez A. peregrina seja uma das plantas mais extensamente utilizadas com propósitos xamânicos nos países sul-americanos. No entanto, a maior parte dos documentos que relatam seu uso foram escritos pelos exploradores europeus, o que certamente não configura a verdade sobre os propósitos de uso dessa e de outras plantas enteógenas, uma vez que os rituais de uso dessas plantas não eram aceitos pelos colonizadores que, provavelmente, as baniram de “suas” terras, assim como as tribos que as utilizavam.