Cactos São Pedro e Peyote: Mescalínicos (Parte 2)

 Em Artigos Enteógenos, Dicas de Cultivo

Cactos São Pedro ou San Pedro, esteve presente nas culturas andinas pelo menos desde 3300 atrás, de quando nos chega a evidência da Arqueologia mais antiga até hoje encontrada acerca de seu uso. Sua representação em templos e nas cerâmicas do período pré-colombiano está usualmente associada as figuras do cervo, do beija-flor e do jaguar, animais xamânicos por excelência nas culturas ameríndias, o que nos fala sobre o peso desse cacto no xamanismo local.
A cultura Chavín, que remonta a três mil anos no norte do Peru, colocou de pé a seu tempo um enorme complexo ritualístico constituído por um conjunto de templos cuidadosamente construídos do ponto de vista arquitetônico e acústico para maximizar a experiência visionária proporcionada pelo cacto, demonstrando assim sua centralidade na constituição da identidade desse povo.
Presente desde o início das civilizações andinas, o cactos São Pedro (ou Wuachuma, um dos seus nomes indígenas), por sua importância na cultura e religião dos povos da área, foi ferozmente perseguido pela Igreja católica. Sincretizando-se com certos aspectos do credo cristão (daí seu nome “São Pedro”, aquele que abre as portas do céu), o Trichocereus pachanoi logrou sobreviver ao etnocídio promovido pela colonização espanhola, chegando seu uso até os dias de hoje, sobrevivendo como um dos elementos mais destacados do xamanismo praticado presentemente nos centros urbanos andinos e nas regiões rurais dos países da região.

Cactos São Pedro como instrumento de cura

Os ritos de cura e divinação conduzidos com a ingestão do São Pedro são um importante recurso de saúde acionado pela população mais humilde que vê no cacto a possibilidade de cura de seus males físicos, psíquicos e espirituais, bem como a adivinhação, para desmanche de simpatias e feitiços amorosos e com o intuito de assegurar o sucesso em iniciativas pessoais e combater todo tipo de mau-olhado e inveja de que, por acaso, a pessoa tenha sido vítima.

Como cultivar cactos São Pedro e Peyote?

Cacto globular e sem espinhos, o peyote é de difícil cultivo, demorando até trinta anos a partir da semente para atingir o tamanho necessário para uso. Mais fácil de cultivo, e contendo igualmente mescalina, encontramos o São Pedro, cacto colunar com pequenos espinhos incipientes, que pode crescer até o equivalente a uma dose em um único verão.

Cultiva-se o cactos São Pedro em pleno sol a partir de mudas, em solo que drena bem constituído por 70% matéria mineral (areia, cascalho, seixo, argila expandida, akadame, perlita, escória, etc.) e 30% matéria orgânica (terra preta, adubo de galinha, farinha de osso). Pode-se propagar facilmente esse cactos através de mudas. Para tal corta-se um pedaço desse, deixa-se secar e criar um calo no corte, após o que enterra-se esse na areia úmida, em pouco tempo ele enraizará.

Como preparar o chá de cactos São Pedro e Peyote?

Para o preparo de bebida sagrada denominada Cimora, feita a partir do Trichocereus pachanoi, ao qual se acrescentam ainda outras plantas (algumas delas também psicoativas), o cacto fatiado é fervido durante horas.
Valoriza-se mais na feitura da Cimora o cacto de 4 sulcos (raro de encontrar), que representa os 4 pontos cardeais, mas o que mais corriqueiramente tem uso é o de 7 sulcos, que tem igualmente implicações cabalísticas, uma vez que o número 7 se encontra muito presente na magia e na religião.

Cactos São Pedro, Peyote e Mescalina

A mescalina, que se acredita ser a principal responsável pelos efeitos dos cactos mescalínicos, relaciona-se quimicamente com a noradrenalina, um neurotransmissor natural. A mescalina tem como característica notável apresentar tolerância cruzada para com o lsd e a psilocina e psilocibina. Ou seja, se uma pessoa desenvolver tolerância para alguma das substâncias mencionadas, precisará aumentar a dose de mescalina para obter os efeitos típicos desta e vice-versa. Isso sugere fortemente a presença de um mecanismo de ação semelhante para todos estes compostos no cérebro humano.
Estudos controlados têm tido êxito em demonstrar que pessoas expostas ao lsd e a mescalina de maneira alternada, sem terem conhecimento da troca na substância ingerida, não são capazes de distinguir os efeitos entre um e outro destes compostos quando indagadas a respeito. Quando, porém, são informados durante a pesquisa que ingeriram as duas substâncias diferentes, os participantes dizem ser capazes de enumerar diferenças entre estas no que tange à experiência causada pelas mesmas. Isto sugere francamente que as diferenças elaboradas entre as substâncias por seus usuários têm caráter social e são construídas culturalmente. De uma maneira geral indivíduos com experiência no uso do lsd e mescalina apresentam a tendência a associar um valor mais positivo ao uso da mescalina, conferindo a essa as qualidades de “natural” e “orgânica”.
Sabemos que a mescalina apresenta efeitos como psicoativo somente a partir de doses com 400 mg desta substância, isso corresponde, grosso modo, ao tamanho de um comprimido de vitamina C de 500 mg. De maneira que, qualquer coisa vendida como mescalina que apresente um tamanho menor do que esse, muito provavelmente é lsd!

 

BIBLIOGRAFIA

DEVEREUX, Paul. The Long Trip, a prehistory of psychedelia. 1997, Penguin/Arkana, New York, New York, USA.
LEITE DA LUZ, Pedro F. Etnobotânica da Mata do Buraquinho. 2010, Relatório Interno, SUDEMA, Jardim Botânico Benjamim Maranhão, João Pessoa, Brasil.
LEITE DA LUZ, Pedro F. Carta Psiconáutica. 2015. Editora Dantes, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
OTT, Jonathan. Pharmacotheon. 1993, Natural Products CO., Kennewik, WA, USA.
RÄTSCH, Christian. The Encyclopedia of Psychoative Plants. 2005, Park Street Press, Rochester, Vermont, USA.
SANGIRARDI JR. O Índio e as Plantas Alucinógenas. 1983, Editorial Alhambra, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
SCHLEIFFER, Hedwig. Narcotic Plants of the Old World. 1979, Lubrecht & Cramer, Monticelo, N. Y., USA.
SCHULTES, Richard Evans & HOFMANN, Albert. The Botany and Chemistry of Hallucinogens. 1980, Second Edition, Charles C. Thomas Oublisher, Springfield, Illinois, USA.
SCHULTES, Richard Evans & HOFMANN, Albert. Plants of the Gods. 1992, Healing Arts Press, Rochester, Vermont, USA.
STAFFORD, Peter. Psychedelics Encyclopedia. 1992, Third Edition, Ronin Publiching Inc., Berkeley, CA, USA.

 

GLOSSÁRIO
3,4,5-trimetóxi-fenetilamina – mescalina.
Alcaloides- substâncias nitrogenadas de PH alcalino e amargas, algumas das quais psicoativas.
Étnicos – relativo a etnia, grupo de pessoas que se reconhecem como tendo uma cultura e identidade em comum, distinta das demais.
Etnográfica – relativo a etnografia, registro escrito acerca de uma cultura específica.
Fitolatria – culto religioso a uma planta, tida como divindade.
Jaguar – o mesmo que onça.
Macropsia- fenômeno ótico no qual as coisas parecem maiores do que realmente são.
Micropsia – fenômeno ótico no qual as coisas parecem menores do que realmente são.
Panaceia – planta ou beberagem que acredita-se poder curar vários ou todos os males.
Etnocídio – extermínio sistemático e planejado de uma cultura em sua especificidade.
Sinestesia – fenômeno sensorial na qual os sentidos se interpenetram, isto é, as cores podem ter cheiro, os sons gosto, etc.
Tolerância – ocorre quando é preciso aumentar as doses de uma substância para se obter os efeitos típicos dessa.
Ubiquidade – estar em dois lugares ao mesmo tempo.
Xamanismo- Técnica de transe e cura de povos tradicionais.

Artigos por Pedro Luz, antropólogo e etnobotânico, tendo realizado trabalho de campo acerca do uso cultural de plantas psicoativas em diversos grupos indígenas no Brasil. Pedro agora é integrante do corpo técnico da Green Power.

Em breve outros artigos nessa mesma linha de estudo.

 

Comments
  • Rogerio Figueiredo
    Responder

    Maria Joana, tudo bem ? Vi no telhado do vizinho um cacto solitário que cresceu ao acaso e resolvi remove-lo, mesmo sem consentimento do vizinho rsrsr. Quando peguei, vi que estava praticamente solto num montinho de terra, mas tinha muitas raizes finas e longas, já tinha preparado um vaso com pedrinhas no fundo e uma terra do quintal( pensei, se cresceu no telhado, talvez não precise de muitos cuidados para o transplate) ele se adaprou bem e foi colocado numa região que tem mais de 8 horas de sol por dia. Hoje, me deu na telha e resolvi pesquisar que cacto era aquele, então pesquisei e cheguei a conclusão que se trata de Echinopsis peruviana ( peruvianus) também conhecido como Tocha Peruana. Não tenho dúvida, aí resolvi fazer uma visita para conhece-lo melhor e pude verificar que tem 4 sulcos (raro de encontrar), que representa os 4 pontos cardeais, melhor para preparar a Cimora e está com 86 cm de altura. Pesquisei mais e como vc, descobri que contem Contém um alcaloide psicoativo chamado mescalina e outros alcaloides, e que esse alucinógeno é uma droga psicodélica, droga alucinógena ou droga alucinogénica é, literalmente, uma substância capaz de provocar alucinações. A classificação mais consensualmente aceita para tal classe de substâncias psicoativas foi proposta por Jean Delay, que as classifica como dislépticas (modificadoras), em oposição aos analépticas (estimulantes) e lépticas (depressores). São considerados efeitos específico dessa classe de substâncias alterar os sentidos, a percepção, a concentração, os pensamentos e a consciência, descobri ainda que o seu cultivo é permitido no Brasil, mas o consumo da mescalina é proibido. Ví ainda, que o seu consumo, foi ou ainda é utilizado pelos nativos americanos há muitos séculos em especial pelos índios do Peru, da Venezuela e também pelos Yanomami do Brasil nos seus rituais xamanico, e que trata-se de uma planta que surgiu no planeta a cerca anos. Curioso não ?

    Então o teu artigo é muito bom, parabéns… apenas fiz uma complementação. Mas Maria, fiquei com uma dúvida: o cactos é ereto e cresce de forma única verticalmente, então como vc acha que pode ser cortado sem lhe causar danos, tem algum conhecimento sobre isso ? Abraços e parabéns mais uma vez.

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